Se hoje temos milhares de mulheres chefes de cozinhas e empresárias do ramo, é porque em algum momento uma precisou lutar por esse espaço.
Através dos anos vimos as mulheres assumirem posições de renomes nos bares e restaurantes. Mas isso é um caminho longo a ser percorrido, o setor culinário ainda é muito misógino e desigual para mulher.
O que, se pararmos pra pensar, é algo ilógico, afinal, foram com as avós, mães, tias… entre tantas outras mulheres que ensinaram o básico para esses homens que hoje estão à frente dos fogões.
Infelizmente, a mulher cozinheira sempre foi vista apenas como um “dote” para atrair um bom casamento. Porém, aqui no Brasil, existiu ela: Benê Ricardo - A primeira mulher brasileira a se tornar chefe de cozinha.
Benedita Ricardo de Oliveira nasceu em São José do Mato Dentro, povoado de Ouro Fino, em Minas Gerais, em 1944. Mal conheceu seu pai, que agredia sua mãe e dela apenas lembrava que era muito severa.
Sua memória mais afetiva é com a avó, Eugênia, que passava horas atrás do fogão, preparando os quitutes que fazia sob encomenda para as festas das pessoas abastadas da cidade. Pelo menos é isso que diz na introdução do seu livro, “Culinária da Benê.”
Ela se tornou órfã aos 14 anos de idade, sem ninguém no mundo. Foi então “adotada” por uma família da cidade, e acabou tendo o mesmo destino de milhares de outras garotas sem família: se viu responsável por todo o trabalho doméstico em troca de comida e moradia.
O ano era 1959, e ela era obrigada a tomar banho frio, dormir nos fundos da casa, sem cobertor, junto com os cachorros. Três anos se passaram até que uma vizinha ficasse com pena do estado da menina e a indicasse para trabalhar com uma família de origem alemã, com quem ela viveu pelos 18 anos seguintes.
Em 1978, venceu o concurso de receitas da Revista Cláudia, em 1978, quando ainda era empregada doméstica. Depois disso, foi convidada para trabalhar na cozinha experimental da revista, e de lá para vários outros trabalhos, da cozinha industrial para as casas de família.
Sua sorte mudou quando serviu um jantar alemão para convidados ilustres, entre os quais estavam o então presidente militar Ernesto Geisel e o presidente da Federação do Comércio, José Papa Jr., que se surpreenderam com a qualidade da refeição e pediram para conhecer a cozinheira.
Foi em 1981 que tudo mudou. Benê conseguiu uma bolsa de estudos para fazer o curso de 1º Cozinheiro, aos 38 anos, no Senac. A primeira mulher a se formar. A única mulher da turma e a primeira mulher a ter licença para estudar gastronomia no Brasil.
Depois disso, Benê tornou-se professora de Gastronomia em diversas universidades, inclusive na que se formou. Sua casa era toda cheia de lembranças dos alunos: temperos, panelas, quadros, livros, entre outros mimos.
Ao relembrar sua trajetória profissional, suas diversas experiências como cozinheira, supervisora, chef, professora, consultora; ela relembrou muitas situações em que sofreu discriminação, como o dia em que os funcionários a boicotaram.
Insatisfeitos com uma decisão que ela tomou, no dia seguinte não apareceram para trabalhar, e ela fez sozinha o trabalho da equipe de 12 pessoas. Ela terminou o dia no hospital. Se hoje as mulheres estão ocupando esse espaço e exigindo o que é seu por direito, isso também se deve ao pioneirismo e ousadia de mulheres como Benê Ricardo.
No dia 31 de março de 2018, Benê faleceu em consequência de um câncer de pâncreas. Nenhuma palavra na grande mídia. Benê foi uma pioneira, uma mulher que rompeu barreiras e que sentiu na pele o racismo, o machismo e o preconceito de classe.
Fonte: Brasil de Fato